Será possível planejar uma corujada? A lua influencia nas atividades? Onde posso procurar? Impulsionada por tais dúvidas, decidi compartilhar experiências, pesquisas e os 3 F’s que elevam a possibilidade de você encontrar as aves noturnas.
Após anos tentando diversas técnicas, escrevo este artigo com segundas intenções, quero ajudar você, mas quero estimular o respeito às corujas, que sofrem com a perda dos habitats e ainda são perseguidas até a morte por medo ou superstição.
E ouso afirmar que há como otimizar as passarinhadas noturnas, sem comprometer a qualidade de vida da ave. Entretanto, antes de você sair caminhando pelas madrugadas, siga essas orientações.
O ritual
Escute os cantos pela plataforma de sua preferência (xeno-canto, wikiaves, ebird, bioface), principalmente aqueles áudios da sua região… tenho sempre que te lembrar, passarinho tem sotaque. Aos poucos sua audição estará afiada e logo começará distinguir algumas corujas perto de você (não importa se você está na cidade ou na zona rural).
Estude os hábitos, quais espécies vivem em sua região? O que elas comem? Quais são os períodos de reprodução? Tipo de ninho?
Pense como a ave… Essa é a regra número 1, de iniciantes a experientes, sempre devemos nos imaginar ser aquela corujona que tanto queremos ver ou ouvir. Quando a gente compreende as “exigências” de cada espécie, fica muito mais fácil procurar.
Tá sabendo tudin? Então comece com as espécies “comuns”, afinal, a corujinha comum aí, pode ser raridade aqui e ali. Aproveite as oportunidades que estão perto de ti.
Como reconhecer um habitat?
Onde há água, alimento, segurança? O habitat é a casa onde a coruja consegue comer, dormir, interagir, caçar, namorar (época vocalmente ativa). É bom saber que cada espécie terá suas preferências e algumas são tão sensíveis às alterações ambientais que poderão simplesmente desaparecer, por falta de recursos básicos.
Enfim, estude previamente a espécie dos “sonhos”. Tenho certeza que quando você encontrar a ave que deseja, a sensação será mais que especial, chega a ser indescritível.
Considere as 3 Fases (3 F’s) e aumente as chances de encontrar a ave noturna:
1. Fase diária
As espécies são ativas em horários diferenciados, há até corujinhas que apresentam hábitos diurnos, mas o foco hoje são as noturnas.
Então, qual melhor horário? Depende da espécie, nós já observamos a jacurutu (Bubo virginianus) em horários diferentes, mas sempre detectamos sua presença através de seu canto, para depois seguir ao encontro do bicho. Por essas e outras que é necessário aprender os diversos cantos e chamados das espécies.
Todavia, são dois momentos que há maior atividade das noturnas (inclui bacuraus e urutaus), início e fim da noite, mas tem determinadas corujas que são essencialmente noturnas, sendo melhor sua detecção na “calada da noite”.
2. Fases da Lua
Quando comecei a escrever este tópico, surgiu a ideia: levantar as listas de observações que submeti ao eBird e comparar com o período lunar. Deu um pouco de trabalho, mas valeu a pena. Ah, considerei os urutaus e bacuraus nessa análise e olha este resultado!
A lua crescente foi a que obtive mais contatos com aves noturnas (20x), seguida da cheia (16x), minguante (13x) e nova (9x).
Que legal Rita, então vou programar as corujadas somente na lua crescente e cheia.
Nada disso, essas foram observações casuais submetidas ao eBird, não cheguei a investir tempos iguais para todas as fases da lua, mas veja que das 58 observações, 20 foram durante a fase crescente.
Por isso, recomendo você começar nessa fase da lua, afinal, as chances de ver ou ouvir serão mais prováveis. Independente da espécie, comece pela crescente e cheia, assim você consegue treinar e “pegar o jeito de corujar” em noites sem luar, entende?
Outra situação favorável às investidas com noites claras é que você poderá ver os movimentos e ir averiguar, coisa que na lua nova é impossível longe das iluminações públicas, afinal, não dá pra ver nada.
Noites sem lua são ótimas para treinar a escuta. Como não há claridade natural, nosso instinto de sobrevivência entra em alerta, com isso nossa audição fica extremamente sensível e conseguimos ouvir muito mais. Tenta aí e me conta como foi sua experiência. Pode gravar stories e marcar O Poder das Aves, é um estímulo pra gente continuar com este projeto.
3. Fase reprodutiva
Neste período há muitas sinfonias, afinal, o canto é uma forma de conquista ou de briga. É claro que as corujas mantêm a conversa o ano inteiro, mas os cantos elaborados são emitidos em duas circunstâncias: reprodução ou defesa de território (elas não estão chamando a morte para a casa de ninguém, isso é fake news das antigas).
Sendo assim, quando você utilizar o playback, poderá aguçar a curiosidade ou irritar a ave. Não sabe o que é playback? Dá uma olhada neste vídeo aqui.
A maior parte das espécies de corujas que ocorrem no Brasil, colocam de 1 a 3 ovos, mas há exceções como a buraqueira e o mocho dos banhados, que podem chegar a 6 ovinhos.
Sabendo isso, vamos ao exercício, imagine a seguinte situação:
Há uma coruja perto de você, mas ainda não conseguiu saber se há ninho ou se ela está apenas descansando. A noite escura, não dá para reconhecer pela silhueta, mas ela colabora e canta. Imediatamente você reconhece, trata-se do murucututu-de-barriga-amarela (Pulsatrix koeniswaldiana).
Neste momento, você colocaria o playback para tentar a foto dos sonhos ou fica imóvel, para evitar assustar a ave?
Não responda agora, primeiro quero contar que essa espécie é fiel ao local de descanso (ela dorme o dia inteiro e é essencialmente noturna), pode ser encontrada em bambuzal, abaixo do dossel da mata, perto de cursos d’água e adora descansar em embaúbas. Além disso, a espécie coloca um ou dois ovos.
Agora apresento as possibilidades:
1. Você deixa rolar o momento, pega o celular e grava as vocalizações pelo BirdNet e no dia seguinte retorna com luz natural para tentar fotografar, ou;
2. Ilumina a ave com lanterna e “solta o dedo” no botão da câmera, afinal, você não sabe se é uma aparição única e se a ave mora ali mesmo.
Já pensou se você segue o número dois, assusta a ave e ela derruba o único ovo que conseguiu salvar naquela fase reprodutiva? Como você se sentiria?
Essas são algumas responsabilidades que assumimos ao aderir a observação de aves, por isso recomendo cultivar a paciência e buscar alternativas para evitar interferir na vida da ave.
É possível durante o dia?
Sim, já aconteceu comigo e pode acontecer contigo também. Já vi a corujinha-do-mato (Megascops choliba) dormindo com os filhotes. Presenciei uma coruja-orelhuda (Asio clamator) pousando em árvore ao lado de casa ao meio dia e também presenciei urutau descansando na praça o dia inteiro. Oportunidades excelentes para fotografar sem necessidade de iluminar a ave.
A dica é, atenção ao movimentos e a silhueta.
Exemplifico com a última vivência que tive em 2021:
Temporada de reprodução do Urutau
Dia 30 de dezembro, 6:00h da manhã e começamos a caminhada pela zona rural de São Bento do Sapucaí, segundo relatos, área de vida do urutau (Nyctibius griseus).
Já percorri tanto por este percurso nos últimos 2 anos em diferentes períodos, cedo, tarde, madrugada…guiando, pedalando, vivendo a vida no Vale do Serrano.
Enfim, a caminhada estava a passos lentos pois o foco era observar aves. Tinha jacu, coró-coró, coleirinho, tico-tico alimentando filhote de chupim… um “toco seco” diferente, a verdadeira silhueta do urutau.
Será a mãe-da-lua (outro nome popular dessa espécie)? Peguei o binóculo, apertei o passo para me aproximar da árvore, estava com Bianca e Luiz, era a primeira “passarinhada” conduzida deles.
Eu estava eufórica por dentro e precisando controlar a empolgação, respirei fundo, levei as lentes oculares e conferi… é ela!
Ficamos lá durante um tempo (tanto na ida, como na volta do passeio) apreciando aquela ave tão “misteriosa”. Sabendo que a espécie dorme durante o dia, retornei lá algumas vezes, afinal, não é sempre que dá para admirar um urutau.
Sabe o que é melhor, no mesmo dia, editando as fotos, percebi que as penas da barriga estavam eriçadas… possibilidade de ser um ninho.
No dia seguinte, Pedro foi guiar o mesmo roteiro e adivinha… a mãe-da-lua estava lá, no mesmo local e tivemos o privilégio de acompanhar o crescimento do filhote durante o mês de janeiro de 2022.
Conto esse “causo procêis” para mostrar que não importa quando, em algum momento você terá o encontro com a ave que tanto sonha e será memorável.
Postura do Birder consciente
Segue aqui sugestões e como costumo “corujar” atualmente.
Eu prefiro registrar a presença das espécies gravando cantos ou chamados, através do BirdNet (ensino seu uso neste artigo aqui).
Quando dá para fotografar ou filmar sem uso de flash ou lanternas, ótimo. Caso contrário, gravo o canto, que já vale como registro científico. Aproveito o momento para observar os comportamentos e apreciar estes seres tão majestosos.
Caso você seja fissurado em fotografia, recomendo ter cautela com as iluminações artificiais. Evite mirar a lanterna na ave, utilize o equipamento para clarear a área, somente até você achar o bicho na lente e assim conseguir a imagem dos seus sonhos.
Além de todas as observações já citadas neste artigo, recomendo conversar com as pessoas, amigos, familiares que vivem na zona rural, logo você terá uma lista de locais a visitar em determinadas épocas do ano.
No campo, evite fazer barulhos, as corujas possuem audição sensível ao ponto de detectar sua presa mexendo no solo, escondida entre a vegetação. Sendo assim, o silêncio é essencial. Caminhe com passos leves, nada de ficar arrastando o pé e conversando com o colega.
Eu faço o planejamento da corujada para estar a campo duas horas antes do nascer do sol ou três horas antes do pôr (sempre aproveito para passarinhar também). Não é regra, mas costumo ouvir os cantos ao cair a noite e minutos antes do nascer do Sol. Todavia, vale lembrar que cada espécie tem seus hábitos.
A maior parte das corujas vivem dentro ou nas bordas florestais, mas algumas espécies estão bem adaptadas às construções humanas, como a suindara (Tyto furcata), que também é reconhecida como coruja-da-igreja, aliás, ela ganhou este apelido por nidificar nas torres das construções.
Enfim, caso escolha uma Unidade de Conservação para “corujar”, verifique com a administração do Parque as necessidades para entrar fora do horário de visitação. Normalmente a gestão libera o acesso aos observadores de aves, quando há segurança para o visitante.
Considere fatores climáticos no planejamento e evite as noites chuvosas, com vento e baixa pressão atmosférica. Normalmente, as corujas diminuem as atividades nessas ocasiões.
Pense sempre em sua segurança, vá com alguém (mas em silêncio) ou previamente, avise uma pessoa de sua confiança, diga onde está indo, que horas pretende voltar e quando chegar.
Vai seguir para áreas naturais, campos abertos ou florestas? Utilize perneiras, nunca se sabe onde estará uma serpente descansando e se é difícil ver corujas por sua camuflagem, imagine jararacas? Melhor prevenir acidentes, utilize perneiras ou botas apropriadas com cano longo.
Que a sabedoria das corujas esteja com você.
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